Daniela Cardoso
Dias nublados são efêmeros
"O sábio concorda com o mundo tal como ele é, sem medo e sem intenções."
Bert Hellinger
Essa frase nunca fez tanto sentido para mim. Talvez, eu deva iniciar o texto reconhecendo que o que me leva a escrever é um sentimento de culpa. Eu simplesmente não quero contrariar os dias nublados. Eu simplesmente, nesses dias, não quero a alegria efêmera dos dias ensolarados.
Diante dos limites e mistérios, a força parece vir do recolhimento, do silêncio, do vazio. E não há nada de triste nisso. Ao contrário, nisso consiste certa grandeza de não repetir tentativas frenéticas de restabelecer antigas ordens, costumes, práticas. Diante do singular, nada óbvio pode ser a solução.
Precisamos ouvir, entender e perceber o essencial. Mas de onde viria o essencial? Está em nós, mas não pode ser sentido na negação do real, na busca por algo, na intenção de ter, transformar-se o tempo todo, agir, fazer, salvar. Entrar em contato com o GRANDE SABER exige renúncia. Renunciando a conceitos, a ideias, a Deus até, estaremos no completo vazio.
É curioso que, quando penetramos nesse centro e na noite do espírito, e buscamos saber cada vez menos, ler cada vez menos, cultivar cada vez menos pensamentos, e nos mantemos recolhidos nessa atitude, algo se passa em torno de nós, sem que precisemos fazer coisa alguma. (Bert)
É nesse silêncio de reconexão que podemos acessar conhecimentos realmente profundos, que se quer passam por nossas cabeças antes do vazio. Observe como tem sido a vida aí, bem pertinho de você: no supermercado, no dia, na noite, na farmácia, no hospital, na rua da sua casa. A simplicidade da vida tem ganhado cada vez mais espaço.
Coisas do cotidiano que antes passavam despercebidas agora parecem ser o centro de nossa vida. Muitos de nós têm experimentado emoção num, antes, simples café da manhã com os seus, muitos de nós têm sorrido ao perceber o crescimento da plantinha do quintal; muitos de nós têm aprendido a valorizar a companhia que, há pouco tempo, era, em certas realidades, evitada a altos custos financeiros.
É! O simples da vida, sem tantas explicações ou questionamentos parece fazer mais sentido que nunca. Perguntei à minha mãe o que ela sabia sobre os tempos de guerra dos bisavôs. Ela disse: “mulheres não saiam de casa, homens só trabalhavam”. Era assim. Foi assim. Isso permitiu que chegássemos até aqui. E o que há nisso de tão especial? Não saber quase nada! É nesse recolhimento que o essencial se mostra. O essencial é produto do recolhimento. Parar diante do limite ou do mistério é um ato profundamente religioso. Sem avançar, paramos. Bert nos lembra que “se estivermos atentos ao que acontece quando se faz a parada, sentiremos um movimento na alma, no peito ou no coração.
Algo se expande nesse momento. [...] A parada cria a conexão”. É na parada que encontramos a força que precisamos não para avançar, mas para ficarmos tranquilos sem avançar. É algo extremamente difícil ao ser humano, somos afeitos a ultrapassar, a lutar. Basta observarmos como se referem a doentes nos noticiários: perdeu a luta contra o câncer; está lutando pela vida; é um guerreiro. Mas mesmo a intenção de viver pode nos cegar diante do destino e da realidade.
A capacidade de tomar o destino tal como ele se apresente é que torna a vida mais leve, enquanto ela estiver disponível para nós. A morte faz parte da vida e estar com uma, na tentativa de negar a outra, apenas nos aproxima do que desejamos excluir. Tal como os dias ensolarados, os nublados também são efêmeros e em reconciliação com o efêmero da vida é que podemos ver a sabedoria crescer em nós. A sabedoria se reflete em viver sem fazer esforços para alcançar aquilo que não se acabaria com a morte, está em aceitar que isso seria uma não vida. A sabedoria está em viver, tomando junto a perspectiva da morte.
A sabedoria, talvez, esteja em silenciar para perceber que o essencial te traz a paz de reconciliar-se com a realidade e o destino. Talvez, eu não estou certa de nada do que escrevo, a sabedoria esteja em deixar a realidade invadir a vida e vivenciar os momentos como quem aprende uma nova história, feito quando era criança e nem mesmo tinha tantas ideias. Para mim? Hoje, em especial, o cheiro do café me lembrou que a vida ainda está disponível para mim.
Essa é uma reflexão livre que tomou por base a obra - HELLINGER, Bert. Religião, psicoterapia e aconselhamento espiritual. São Paulo: Cultrix, 2005.