Luís Henrique de Oliveira
Minha Profissão
Se Considerarmos que dormimos 8 horas por dia, as 8 horas diárias que passamos exercendo nossa profissão correspondem a ⅓ do nosso dia útil. Normalmente, autônomos trabalham ainda mais - minha média das últimas 4 semanas foi de 80 horas/semana. Quando penso em quanto eu produzo, minha sensação não corresponde com o número de horas: parece que me esforço muito menos do que o relógio mostra.
Escolher bem onde e como passaremos tanto tempo do nosso dia é uma parcela imprescindível da saúde. É impossível mantermos ou obtermos o bem-estar se não estivermos cuidando do nosso profissional. Nessa semana, meu convite é para descobrir se você está no lugar certo e encontrar a melhor forma de expressar as riquezas que você possui para o mundo.
Primeiro Passo - Aprender a servir
Atuando com aconselhamento, constantemente ouço pessoas dizendo que o trabalho não está trazendo realização. Quando questiono, as repostas normalmente se referem a uma sensação de vazio que o trabalho não está preenchendo. Isso não é estranho? Afinal a profissão não é um serviço prestado por um especialista que “tem sobrando” aquilo que eu preciso? O profissional não deveria entregar aquilo que ele faz muito bem, preenchendo uma necessidade do cliente e, em troca disso, receber dinheiro? Onde, então, nos perdemos?
Nossa realização precisa acontecer antes da nossa profissão. Pessoas realizadas podem mover-se para a profissão prontas para entregar - o profissional está a serviço dos clientes. Quando ainda não nos realizamos pessoalmente, esperamos que a profissão faça por nós aquilo que não cabe a ela - queremos, então, que a profissão preste um serviço a nós. Percebe que a conta não fecha? Ao invés de eu servir as pessoas, elas estão a serviço de preencher o meu vazio. O que acontecerá na primeira decepção que tivermos, como um cliente insatisfeito reclamando? Vamos nos magoar, e talvez até mesmo querer desistir da profissão. O problema está no início, na postura com que nos movemos ao trabalho.
Quando penso nisso, sempre me lembro do ponto alto da crise no Brasil. Frequentemente, eu embarcava em carros a serviço da Uber com motoristas muito bem instruídos e cultos. Quando questionava sobre a carreira profissional ouvia sobre empresas com centenas de funcionários, altos cargos em multinacionais e anos de carreira acadêmica. Alguns estavam azedos e mal-humorados. Reclamavam do país, do governo, dos passageiros que agora eram os responsáveis pelo pão de cada dia deles. Outros tinham um sorriso largo no rosto. Quando eu, então, pontuava, verbalmente, sobre o sorriso em ser motorista Uber, a frase frequente que eu ouvia era uma variação de “pra quem gosta de trabalhar não tem emprego ruim”. O que essas pessoas estavam me contando é que tinham aprendido a servir e que estavam ali pra isso.
Meu segundo emprego formal foi como empacotador de talheres em um restaurante que servia 200 refeições por dia. Minha carreira profissional começou muito antes: quando eu fazia cinzeiros, bonecos de argila e carteiras de pano pra vender, com uns 4 ou 5 anos. Mas foi no meu segundo emprego de carteira assinada, como empacotador de talheres, que precisei aprender a servir. Depois de umas duas semanas na empresa um garçom faltou, então fui compulsoriamente promovido. Tinha tanta vergonha do que estava fazendo, ficava pensando o que aconteceria se meus colegas da escola me vissem trabalhando ali que ficava fugindo pelos cantos, demorando pra atender as mesas e, no final, ainda quebrei 17 pratos de porcelana. Tinha certeza que seria demitido. Fui chamado no escritório. Fui surpreendido e ouvi que tinha feito um bom trabalho e que levava jeito pra coisa, recebi uma gorjeta e a frase “no andar da carruagem as melancias se ajeitam”. Eu ainda não sabia servir, mas meu chefe, certamente, tinha o serviço e a generosidade no coração.
As semanas subsequentes foram infernais. Não dormia bem à noite pensando que algum conhecido acabaria sabendo que eu tinha um emprego vergonhoso. Alguém da escola me veria com a camisa branca que não tinha o meu tamanho, porque o garçom antigo era mais gordinho que eu. Como eu teria coragem de voltar pra aula depois de ser pego como garçom? E assim foi por semanas, até que eu percebi que um milagre não aconteceria sem que eu fizesse algo.
Passaram-se 2 meses, aproximadamente, quando eu li uma passagem bíblica do apóstolo Paulo, escrevendo aos Colossenses: “Tudo o que fizerem, façam de todo o coração, como para o Senhor, e não para homens”. Eu decorei esse versículo imediatamente. A resposta que eu precisava estava ali - fazer de todo o coração. Fiquei repetindo esse versículo incessantemente e, no outro dia, decidi que seria o melhor garçom do mundo.
Em pouco tempo, eu sabia o que cada cliente frequente gostava de beber. Aprendi o nome da maioria deles. Quando algo que eles sempre pegavam no bufê não estava no prato, eu questionava na cozinha se tinha e, quando tinha, eu levava até a mesa. Tornei-me amigo dos clientes. Decidi que teria orgulho do que eu fazia, afinal eu fazia de todo o meu coração. Então, depois de poucas semanas, os clientes começaram a elogiar-me para o dono da empresa, dizendo que o filho dele era o melhor funcionário - e minha surpresa ficou ainda maior quando meu chefe começou a concordar com a mentira, dizendo que tinha muito orgulho do filho dele. No mês seguinte, fui promovido a auxiliar administrativo, poucos meses depois, a gerente e, no ano seguinte, à gerência dos quatro negócios que ele possuía. Isso tudo com 18 anos recém-feitos.
Ali eu aprendi a servir. Aprendi que deveria fazer de todo o coração. Depois mudei de ideia sobre o que diz Paulo, o Apóstolo, e decidi que deveria fazer tudo, de todo o coração para as pessoas. Percebi que meu propósito de servir deveria ser às pessoas - proporcionando-lhes a melhor experiência que estivesse ao meu alcance propiciar. Fazer de todo o coração, para as pessoas, tornou-se uma marca de fogo em mim.
Servir de todo o coração foi aquilo que nos manteve vivos inúmeras vezes. Se alguém não sabe o que é fazer de todo o coração, pode inspirar-se olhando uma mãe servir a um bebê - ele chora, mama, dorme. Ele não oferece nenhum tipo de benefício. Talvez torne-se um filho ingrato, com algum problema importante de rebeldia. Ainda assim, ela está totalmente disponível pra ele. Quando ele crescer ela achará lindo tudo que ele fizer. Quando precisar brigar por ele, será capaz de cometer violências. Nenhum filho do mundo será mais bonito que o dela.
Hoje, quando preciso encontrar inspiração novamente para servir com alegria e todo o coração só preciso revisitar a minha infância. Fui uma criança muito doente, tinha crises de asma frequentes, e minha família não possuía plano de saúde, tão pouco havia recursos financeiros. Quando eu tinha crise, não podíamos pagar um táxi, mas minha mãe me colocava no ombro dela, como se eu fosse um saco de arroz e corria até o hospital - 3km de distância da minha casa. Durante a noite, no oxigênio, cada vez que eu acordava via ela vigiando o meu sono. Quando sirvo as pessoas estou também levando o amor dela por meio do meu trabalho e, assim, tudo o que ela fez por mim encontra um propósito e um sentido - não foi em vão.
Segundo Passo - Fazer o que faço bem
Quando pensamos em profissionais referência no que fazem, podemos perceber algumas habilidade intrínsecas a todos: fazem com alegria, talvez até trabalhariam de graça, às vezes trabalharam anos de graça, antes de começarem a ser reconhecidos profissionalmente, fazem o que fazem sem custo pessoal algum, dando a sensação de que estão brincando, são capazes de diagnosticar algo errado de longe. Se conectarmos todas essas evidências, descobriremos que tal profissional transborda aquilo que tornou-se trabalho. Essa pessoa está cheia, abarrotada, a profissão é apenas um jeito de permitir que o que está sobrando tenha alguma utilidade.
Óbvio né? Acontece que temos algumas distorções sobre o que é trabalho. Talvez comece na raiz etimológica da palavra - trabalho vem do latim tripallium, instrumento de tortura, formado por três paus - trabalho, então, é o ato de ser torturado com o tripallium. Inconscientemente, essa é, inúmeras vezes, nossa visão do trabalho - que precisa ser sofrido e custoso. Não escolhemos a profissão que fazemos bem, mas escolhemos aquela que custa mais e, teoricamente, traria mais dinheiro. Insistimos por anos em coisas que não somos capazes de fazer bem, como se o tempo fosse um aliado. Talvez, a insistência até traga algum resultado, porém, será difícil fazer aquilo com alegria pelos anos que uma profissão exige.
Existe um outro pensamento tóxico sobre profissão que alega que “qualquer um pode fazer o que quiser, basta que passe pelo treinamento adequado”. Esse pensamento é completamente maluco. Um bom psicólogo, por exemplo, foi babá quando adolescente, tem uma forte empatia desde a mais tenra infância, interessou-se por ciências sociais na juventude. Embora só na vida adulta ele faça psicologia, há algo que já estava dentro dele desde sempre - agora ele só está aprendendo a técnica.
É importante ainda dizer que não basta fazer bem, é preciso fazer algo que envolva também um pequeno desafio. Às vezes, o profissional já é especialista máximo, aprendeu a servir e aquilo que ele faz transborda dele. Mas chega um momento no qual aquela profissão, cargo ou função não são mais capazes de oferecerem desafios, o que torna o trabalho enfadonho. É preciso fazer bem a ponto de ter sucesso e leveza e de precisar aprimorar, de modo que se tenha sempre um pequeno desafio.
Terceiro Passo - Ser monetizado com equilíbrio
Por último, preciso sentir como coerente o quanto estou ganhando pela profissão que exerço. Se ganho menos que o coerente, vou cansar com facilidade e, se ganhar além, vou me sentir constantemente pressionado em entregar mais do que o necessário. Também vou atrair situações congruentes: quando cobro aquém, seja salário, seja produtos, vou tornar-me atrativo para pessoas que não respeitam o serviço alheio e sempre pleiteiam desconto. Também terei mais trabalho com esse perfil de clientes, pois quem reclama não gosta de um bom serviço - gosta de reclamar.
Como prestadores de serviço precisamos aprender a respeitar o que estamos oferecendo, e cobrar de acordo com isso. Talvez muito mais que o preço do mercado, precisamos buscar o nosso preço também através do Felt Sense. Lembro quando eu cobrava uma sessão individual 10% do que cobro hoje e ainda costumava completar dizendo que poderíamos negociar o preço, caso ficasse pesado para a pessoa. Sempre que precisava falar o meu preço sentia vergonha. O nosso corpo e nossas emoções sabem qual o preço coerente para se cobrar. Um exercício que eu precisava fazer no início era escrever os preços que eu gostaria de cobrar e colar na porta do armário, até que eu sentisse aqueles valores como confortáveis. Quando o novo preço tornava-se confortável, eu alterava o preço sabendo que seria bem recebido pelas pessoas, afinal elas são sensíveis à minha postura interna.
Como funcionários talvez precisamos rever nossa postura ou cargo na empresa. Muitas vezes, sentimos que o chefe deveria reconhecer o nosso valor e ficamos esperando por um aumento por anos. Confiamos na esperança cega do reconhecimento, que raramente acontece. Uma vez ouvi sobre uma pesquisa acerca da diferença de salários de alunos de uma mesma turma com capacidades cognitivas parecidas - a diferença entre os maiores e menores salários era que aqueles que recebiam os maiores salários pediam aumento e aqueles com menores salários esperavam o reconhecimento acontecer.
Minha experiência mostra que esse não é o terceiro passo à toa. Quando aprendemos a servir, e descobrimos qual é a nossa arte, fica muito mais fácil termos uma postura firme quanto ao que entregamos ao mundo, o valor que isso tem, e qual a recompensa monetária que é coerente.
Estou no lugar certo?
Durante essa semana te convido a explorar, com atenção gentil, esses três passos para que a profissão tenha força e leveza. Não faça tudo de uma vez - faça uma tarefa por dia, dando tempo para você mesmo processar e permitir que essas novas percepções cresçam dentro de você.
Escreva uma carta de agradecimento para cada uma das profissões que você exerceu, mesmo as que por pouco tempo ou informais. Para tudo que já trouxe pão para sua mesa você pode escrever uma carta de agradecimento. Os artesanatos ou doces que ajudaram a pagar a faculdade, a ajuda na barraca de cachorro-quente do tio, as faxinas que permitiram comprar os materiais escolares dos filhos. Se você sempre trabalhou em casa, perceba as fases do teu trabalho em casa, como por exemplo o cuidado com os filhos, depois com os netos, depois ajudando os pais doentes. Escreva uma carta de agradecimento para cada uma dessas profissões, permitindo que você encontre orgulho para cada uma dessas formas de servir que você já exerceu. Se enquanto faz o exercício você descobrir que foi ingrato com um chefe ou colega de trabalho pode escrever uma carta pra eles também e, quem sabe, até enviar como uma oferta de paz.
Depois que as cartas estiverem prontas, releia cada uma e descubra onde/quando você aprendeu cada uma das coisas que faz agora. Como tua construção profissional começou lá no início, depois, lembre como você desenvolveu esta ou aquela habilidade com seus pais. Descubra se foi o pai ou a mãe quem ensinou cada uma das habilidades, seja por ensino direto do que fazer ou pelo exemplo do que não fazer - de todo o jeito deu certo, e você aprendeu. Sinta isso internamente e, talvez, depois use a meditação da semana para reconhecer num nível ainda mais profundo que você deu certo.
Agora é a hora de escrever uma lista exaustiva de coisas que você é capaz de fazer muito bem e sente-se pleno(a) fazendo. Depois que a lista estiver pronta, transforme essa lista em profissões que você poderia exercer. Talvez essa lista seja apenas uma segurança, para o caso de você querer mudar de profissão um dia. Ou talvez ela inspire você a levar tudo que lhe faz bem para o que você já faz. Eu, por exemplo, adoro cozinhar e, às vezes, faço lembranças comestíveis para meus cursos. Fique disponível também para descobrir outras formas de servir e receber por isso.
Faça tudo isso com devoção e carinho e deixe assentar no coração. Jamais podemos nos despedir de uma profissão sem amá-la primeiro. Talvez, você sinta-se sobrecarregado profissionalmente no momento presente, mas depois de fazer essas tarefas simples, possa descobrir um novo fôlego, desafiando-se mais e fazendo coisas novas. Ou, talvez, depois de algumas semanas, você receba uma nova proposta. A vida é sensível à nossa postura e quando colocamos ordem no mundo interior isso afeta positivamente a nossa vida.
Torço para que você faça belas colheitas essa semana!