Marciele Magalhães
O amor de Mãe
Enquanto faço Eloah dormir, febril e aninhada em mim, transito por alguns lugares.
Olho para ela, vejo a pureza, a vulnerabilidade, a necessidade do outro, do adulto, de alguém que possa atender suas necessidades básicas para a sobrevivência nesse mundão.
E desse lugar, olho para as mamães, para o papel essencial dessa figura que representa o cuidado, o zelo, o aconchego, o amor. E fiquemos aqui, apenas com o essencial, livre de estereótipos ou fantasias que nos distanciam da realidade. Olhemos apenas para aquela que disse o sim para a vida de alguém, sem o sim dela, a Vida não existiria.
A ela também cabe o lugar de nutrir alguém, de estar disponível, de entregar-se. Assim, fico a pensar nas diversas vezes que olhamos para nossa mãe tentando encontrar o que não foi suficiente, querendo a mãe ideal, aquela da propaganda de margarina da TV e, desconectamos da mãe real, possível e amorosa que temos. Sim amorosa, pois há amor em tudo, mesmo que você não veja, ainda assim há.
Muitas vezes, quando olhamos para as mães com essas exigências, somos apenas jovens inexperientes romantizando a vida e a maternidade. Balizando a vida por nossa pequena janela interna. E vou te contar, em algum momento já passei por esse processo também e, como nessa vida nada é por acaso, tive a rica oportunidade de encontrar meu primeiro trabalho numa casa de passagem, como psicóloga.
Percebo o quanto meu coração começou se rasgar, e caber um pouquinho mais de amor ali. Lá tive a chance de encontro com tantas mulheres mães, com crianças dessas mães e com histórias diante das quais só conseguia me recolher e sussurrar baixinho, só pra mim: que destino dessa mulher! Que destino dessa criança! E me sobravam poucas palavras, a teoria psicológica pouco podia me auxiliar, sentia que era algo muito maior que eu e a psicologia, era, realmente, algo muito grande, que só cabia meu respeito.
Ali, naquele contexto, aprendi a respeitar os destinos, fossem como fossem.
Aprendi amar aquelas mulheres mães que, por vezes, eram as mais difíceis de dar lugar nesse coração ainda pequeno e pouco rasgado. Era difícil “entender” o amor daquela que precisou entregar seu filho para que outra família “com mais condições” o cuidasse, difícil olhar para o amor daquela que precisou calar diante de um abuso sexual, aquela que priorizou seu companheiro, mesmo que isso custasse a convivência com seu filho...
Era difícil compreender e enxergar o amor ali, por sorte, hoje, percebo que não passaria pela via do entendimento mesmo, tenho mais clareza disso. E, novamente, só me recolho e percebo a força que há naquelas mulheres mães e reconheço que sou pequena demais para tamanho destino.
Um tempo depois, a vida me chama para estar do outro lado, confiou a mim a respeitosa missão de ser mãe.
Ahhh e já posso sentir que esse coração aqui se rasgou um pouquinho mais. A cada dia, a cada nova experiência como mãe vejo o tanto que entregamos, e o quanto há de energia nessa entrega, o quanto há de amor pelo sim àquela vida.
E não importa o que pareça ser amor pra você, ainda há amor.
Por mais que tenhamos algumas pistas, algumas coisas ganham mais potência na experiência, é no viver a maternagem que meu coração dilacera amor, dia após dia, assim, posso enxergar o amor, o amor de mãe para filho.
Então mulher mãe, sente-se, faça uma pausa, sirva uma xícara de chá, respire fundo e deixe te contar, eu vejo o seu amor, porém, não basta apenas que eu veja, é preciso que você faça seu processo de caçador desse amor. Esse é o convite que, amorosamente lhe faço: podemos olhar para nossa mãe sem julgamento? Podemos ver tudo o que foi somente como movimentos de uma vida de uma mulher bastante comum, que também descobriu o que tinha que ser feito à medida que caminhava? E pergunte-se: dou conta de ver o amor que vem de mim? Vejo o amor de meus pais por mim?
Precisamos escolher o que fica em nós e o que permitimos que passe por nós. Sim, é uma escolha. Será que ainda há exigências por aí, no que tem escolhido contar para você? Diz respeito à realidade ou às inúmeras fantasias que fomos criando a respeito da mãe ideal, da família perfeita?
A boa notícia é que está em nossa mão crescer e desvencilhar-se das exigências, e dessa forma, encontrar um caminho para trazer nossa mãe – e pai – a um bom lugar em nosso coração. Esse é um remédio que trará muitas mudanças positivas na nossa vida.
E quando ficar um pouco difícil dar lugar no seu coração para enxergar esse amor, quando tua humanidade te pegar, quando talvez for sequestrada pelo julgamento, pela exigência, pela sensação de falta, experimenta olhar por cima dos ombros para essa mulher que está sendo difícil incluir no seu coração, experimenta ver o amor dessa mãe por essa filha, tchãã, esse movimento é infalível, olhando pra esse, nosso coração aquece, vimos nossa humanidade viva no brilho daquele olhar singelo de uma simples mãe.
Que sejamos mais amorosas com nós mesmas, com nossas mamães e umas com as outras também. Descobrir e enxergar onde está o amor das outras mães é acessar a fonte inesgotável de amor, potência e força.
Quando uma ganha, todas ganham também.
Com afeto, Marciele Magalhães