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  • Foto do escritorLuís Henrique de Oliveira

Relacionamentos entre adultos

Nossa entrada no mundo das relações começa com nossos pais. É com eles que vivenciamos a possibilidade de sermos filhos. Como filhos pequenos e tomadores, experimentamos a segurança e a proteção que a ordem hierárquica traz. Todas as demais relações receberão o impacto de como nos relacionamos com nossos pais e o quanto tomamos o amor deles dentro do nosso coração. Esse “sentir-se amado” por eles nos preenche de forma a permitir que possamos nos mover para o mundo “cheios”. Se já recebi de meus pais o amor deles e, junto com o amor, todos os recursos necessários para realizar o que quer que seja na vida, meu impulso para a vida é de entregar aquilo que eles me deram.

Nesse ponto, a possibilidade das relações entre adultos tem início.

Reflita por alguns momentos sobre as relações entre pares que você tem hoje: relações entre amigos e cônjuge, talvez, também namoros e amigos antigos. Quem sabe, você descubra algumas delas ainda com mágoas e dores e outras que permanecem fortes há muitos anos. Normalmente, tendemos a simplificar o sucesso ou o insucesso pela afinidade que temos com alguns e não com outros, quando na verdade, se olharmos com cuidado, a manutenção das relações entre adultos acontece pela realização de trocas equilibradas.

Gosto de conceituar como “relações entre adultos” aquelas que dizem respeito a amigos e parceiros afetivos, pois pensar assim me lembra a forma como a manutenção da relação acontece. Uma relação entre adultos envolve duas pessoas plenas, cheias. Ambas já receberam dos pais aquilo que precisam, e, agora, movem-se pro mundo para compartilhar, ora dando e ora recebendo. O que acontece, então, quando essas imagens internas ficam bagunçadas e há doação demais de um lado e exigências demais do outro? Quando não há ordem clara em nossa relação com nossos pais, por exemplo, quando ainda não aprendemos a receber o amor deles, ou quando ainda desejamos, mesmo que secretamente, abrir mão de nossa felicidade para que eles sejam felizes, aquilo que não recebemos, ou não tomamos, de nossos pais torna-se nossa exigência em cada relação de adultos.

O efeito disso é que nos movemos para as relações que deveriam ser mantidas por trocas equilibradas agindo como crianças exigentes e vazias que só desejam receber, ou que colocam defeitos no que está sendo ofertado. Ou, então, como se o mundo só fosse capaz de nos amar quando somos bons e generosos com todos. Dizemos sempre sim pra todos, como se nós fossemos os adultos e os outros, sejam amigos ou parceiros, fossem as crianças. Queremos dar incansavelmente, e quando as coisas não vão tão bem, entendemos que precisamos entregar mais, até saturarmos a relação e fazermos com que ela chegue ao fim. Em ambas as situações, não temos uma relação entre adultos iguais como deveria ser, e, sim, uma relação entre uma criança disposta a sacrificar-se pelos outros e uma outra cheia de expectativa e exigências que jamais poderão ser de fato atendidas.

O que torna um adulto de fato adulto é a capacidade que ele possui em assumir as próprias responsabilidades. Dentre essas responsabilidades, a mais básica é a de trocar em equilíbrio - adultos sabem e gostam de trocar, preferem dar e receber.

Quando tudo não é o suficiente

Quando nossa “despedida” de nossos pais aconteceu sem antes enchermos nosso reservatório emocional de significado e segurança, somos tomados pela expectativa de que outras pessoas desempenhem esse papel. Movemo-nos para o mundo como tomadores: muito dispostos a receber e pouco engajados em oferecer. Esperamos receber muito de amigos, de namorados e depois desejamos receber aquilo que não pegamos com nossos pais de nossos filhos. Expressamos isso quando buscamos relações com pessoas mais fortes que nós, muitas vezes, mas não como regra, também mais velhas. Buscamos pessoas que nos completem, que nos preencham. Quando os filhos chegam, esperamos, secreta ou publicamente, que eles fiquem por perto, nos cuidando. Que sejam nossos confidentes, que nos aconselhem e que cuidem de nós quando estamos tristes. Nos chateamos quando nossos filhos buscam a própria vida e o próprio lugar no mundo, por ainda esperarmos receber deles o que eles jamais poderão oferecer.

Essa busca por, prioritariamente, receber quando deveríamos estar trocando, no caso de amigos e parceiros, ou ofertando unilateralmente, tratando-se de filhos, nos leva à dor e à frustração. Em algum momento, os amigos ou parceiros irão querer ser recompensados pelo que estão fazendo por nós, e, então, começarão a cobrar que retribuamos. Muitas vezes, quando esse momento chega, quem acostumou-se a apenas receber, ofende-se e acusa o outro de não ter dado de coração, logo depois, põe defeitos sobre o que recebeu, como se não fosse tão bom ou o suficiente. Nesse jogo de manipulação, o doador tenta fazer mais, mas agora quem está na posição de recebedor torna-se ainda mais exigente, porque, lá no fundo, ele experimenta mais uma vez a decepção que sentiu antes com os pais. Acusa o outro de tê-lo enganado e transfere toda a dor que ainda tem com os pais para a nova relação. Nesse momento, ele começa a retirar-se da relação, a encontrar e elencar desculpas que justifiquem o desejo de ir embora e que explicitem o quão ruim a relação é. Volta a olhar para o mundo e buscar no mundo quem será, finalmente, a mãe ou o pai melhor, que estarão dispostos a atender todas as exigências infantis sem necessidade alguma de compensação, como ele acredita que os pais deveriam ter feito.

Quando fazer tudo é pouco

Talvez em algum lugar do meu coração e em algum momento da história, eu ainda sinta que tenha falhado com meus pais. Escondido de mim mesmo, ainda carrego uma culpa de ter falhado com eles em uma doença que os levou à morte, ou de ter fracassado em dar pra eles uma vida digna, ou, ainda, de não ter protegido a minha mãe do meu pai ou avós. Independente de qual seja a história, no íntimo, ainda sinto que falhei com eles, que fiz pouco. Carrego um sentimento de impotência em relação a eles como se houvesse uma falta grave na minha sentida obrigação de recompensá-los. Ainda olho para o sofrimento dos meus pais e sinto que falhei como filho na tarefa de diminuí-lo. Agora, movo-me para o mundo como um doador, na tentativa ou esperança de oferecer e entregar para o mundo aquilo que imagino que deveria ter feito para meus pais.

Movido pelo desejo também infantil de salvar e sacrificar-se pelos pais, o doador percebe-se na pressão de fazer muito. Faz questão de pagar a conta todas as vezes, não só monetariamente como também assumindo a responsabilidade pelo que não lhe cabe. Busca pessoas mais frágeis, por acreditar que pode fazer muito por elas. Afasta as pessoas sem entender muito bem o motivo, pois qualquer adulto digno não aceita manter uma relação em que as trocas não são possíveis. Muitas vezes, para atender ao mundo deixa de lado a si mesmo, sem perceber que deixando-se de lado, falha, agora de fato, com seus pais na tarefa mais importante da vida: cuidar bem do filho deles para eles. Nesse movimento interno de agradar, doar, atender e fazer, nos atraímos justamente pelo lado oposto - os exigentes. Cria-se, então, uma relação na qual a balança nunca encontra um equilíbrio e permanece constantemente pesando mais de um lado.

Troca equilibrada - dar e tomar

Tanto quem assumiu o perfil de exigente na vida quanto quem assumiu a missão de ser um doador precisa aprumar-se para trocar de forma equânime. Gosto de lembrar que se trata muito mais de “dar e tomar” do que de “dar e receber”, pois as duas pontas da balança são ativas.

Toda a solução começa na tarefa de perceber o que ainda precisa ser realizado com meus pais. Se assumi a posição exigente no mundo, preciso buscar meu lugar como filho em meus pais e pegar com eles o que ainda estou esperando. Tudo que olhamos na semana anterior sobre a conexão com os pais é a base

que torna toda a relação entre adultos possível. Se tenho me portado como um doador agora me cabe perceber o amor dos meus pais, e ressignificando isso, compreender que o melhor que faço para eles é cuidar bem de mim. Só depois posso começar o treino de aprender a equilibrar.

• Bert Hellinger costuma comparar o equilibrar com o caminhar em uma corda bamba. Preciso saber que um pouco mais de um lado exigirá um movimento compensatório para o outro. Exige treino diário, um treino perceptivo nas pequenas coisas. Minha primeira sugestão é que você comece a observar no cotidiano como estão as trocas nas suas relações. Exploramos nos capítulos anteriores como a nutrição tem acontecido nas suas relações. Agora é a hora de perceber as relações em que você constantemente oferece, sem receber muito, e aquelas nas quais você sempre está exigindo, oferecendo cada vez menos.

• O dar e o tomar são ativos. Isso porque eu tomo sempre aquilo que preciso, ou seja, me conecto ao outro por minha necessidade. Receber ganha significado passivo, porque é como aceitar sem precisar, o que também implica um possível rompimento de limites. Significa que se você tem recebido muito, precisa encontrar uma forma criativa de compensar, fazendo algo pelo outro. Se você tem oferecido muito, precisa começar a dar menos e, também, a perceber o que o outro tem tentado entregar e você não tem tomado. O equilíbrio não acontece sempre na mesma moeda. Às vezes, um cozinha e o outro lava a louça, um paga a viagem e o outro carrega as malas, um é o provedor e o outro cuida das crianças. O mais importante é que precisamos descobrir internamente esse equilíbrio - sentir no coração que estamos trocando em coerência.

• Para não “errarmos na mão” é melhor darmos pouco. Damos um pouco e oferecemos a chance para o outro equilibrar. Pequenos presentes aproximam, já os grandes afastam. Quando dou pouco, percebendo os efeitos, esperando, é mais fácil para o outro retribuir. A maioria das relações termina quando um lado deu sem descanso, sem tempo de retribuição, até que o outro lado ficou sufocado e partiu.

• Gosto de fazer um exercício muito simples para verificar como está o equilíbrio nas minhas relações: fecho os olhos e me conecto internamente com a pessoa. Olho nos olhos dela, com os olhos do coração. Vejo quão fácil é olhar nos olhos dela, e como sinto-me fazendo isso. Quando tenho a sensação de que o outro é maior que eu, peso nos ombros, às vezes, raiva, sentindo que o outro está muito perto, sei que estou devendo e preciso retribuir. Quando sinto o outro longe, cada vez mais longe, sinto que olho de cima, peito estufado, sei que estou no crédito e que, então, preciso dar um pouco menos, dando ao outro a chance de retribuir. E quando percebo o outro numa distância razoável de mim, leve, olhos nos olhos, corpo solto, sei então que as contas estão em equilíbrio.

• Por vezes, uma relação termina sem ter de fato chegado ao fim. Refiro-me ao namorado de 10 anos atrás que ainda lembro com frequência, ou do amigo que há 5 anos está me devendo. Essas relações que terminam e que continuamos presos à pessoa evidenciam que as contas não estão equilibradas. Nossa tarefa é equilibrar, pois até equilibrarmos, não estaremos “livres”.

• Quando há um término no qual o outro está nos devendo, sentimos muitas coisas: que perdemos tempo, que fracassamos, que fomos injustiçados. Tudo isso me mantém conectado ao outro de um jeito pesado. Muitas vezes, percebo também que o mais duro é sermos capazes de reconhecer que doeu tanto por termos amado tanto, e que ainda amamos, mesmo sem gostar disso. Aqui preciso ter coragem suficiente para conectar mais uma vez com esse amor e descobri-lo agora de uma forma mais madura. Talvez você tenha dado seus maiores tesouros, e só tenha recebido algumas migalhas. Acolher essas migalhas com carinho talvez seja uma parte importante da solução. Agora, possivelmente, uma boa forma de buscar reestabelecer o equilíbrio seja fazer cartas de agradecimento para cada relacionamento que feriu você. Você pode contar na carta o quanto aprendeu com o que aconteceu e também pode decidir perceber aquilo que o outro tentou oferecer.

• Uma relação só chega ao fim depois que a conta foi acertada. Se lendo sobre equilíbrio você percebeu duas ou três pessoas com quem as contas não estão equilibradas, pergunte pra si mesmo, nos próximos dias, o que lhe cabe fazer para acertar a balança, e fique aberto e atento às possíveis respostas.

• Por último, talvez você tenha defraudado algumas pessoas. Essa é a parte mais difícil de perceber, porque, no fundo, sempre estamos fugindo de assumir responsabilidades que vão nos custar. Faça um inventário de pessoas para quem

você possa estar devendo e pergunte a si mesmo de que formas poderá equilibrar essa conta. Você não precisa fazer tudo de uma vez, mas a intenção de acertar essas contas te conduzirá e, no tempo certo, as oportunidades surgirão. Eu ainda preciso acertar algumas contas, mas, nesse momento, sei que ainda preciso esperar. Para o nosso coração, a intenção sincera vale mais que a ação, também porque a precede. Às vezes, a hora certa é um pouco depois.

É provável que, tomando esse conteúdo seriamente, ele possua um custo adicional para a realização. No profundo, “esquecer uma dívida” nos traz um sentimento de inocência, de que minha parte eu fiz, e compensar uma conta nos traz culpa e inadequação. Muitas vezes, queremos ser capazes de enterrar essas partes desconfortáveis da nossa história, embora pareça que, para a vida, o que é enterrado vivo nunca morre. Sugiro que você sinta tudo isso, utilize meditações e comece implementando cada medida para encontrar novamente o equilíbrio. Aprendendo a amar, a trocar, mais que dar ou receber, descobriremos que o único espaço de liberdade verdadeira, no qual podemos perceber os outros como iguais, é quando prezamos pelas trocas.

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